José Henriques (Cesteiro) na RTP Informação

A jornalista Teresa Cotrim apresenta na RTP informação o programa "O seu dinheiro". Recentemente a reportagem foi com o nosso cesteiro José Henriques.

Cesteiros e apicultores também são empreendedores
As profissões tradicionais são hoje menos uma tradição de família e mais uma opção individual. Curiosamente, muitas vezes, para dar continuidade a um saber de família. Há procura, há matéria-prima, mas teme-se que falte o mais importante: as pessoas que mantém vivas as tradições.
Há profissões tradicionais que podem ter os dias contados. Mas há quem resista e a verdade é que trabalho não falta. Os ofícios tradicionais são hoje, também eles, trabalho para empreendedores e José Henriques é disso exemplo.
José Henriques é um dos sobreviventes na arte nacional de trabalhar o vime, uma profissão que já está na sua família há quase 100 anos. E no mundo as primeiras referências datam de 3000 antes de Cristo. Aliás, o Antigo Testamento fala de Moisés ter sido recolhido no rio Nilo numa cesta de vime. Habitante no concelho de Ferreira do Zêzere foi ali que montou o seu espaço por influência de uma técnica do Instituto de Emprego que passou horas a convencê-lo quando este trabalhava num barracão improvisado ao lado de sua casa e que, actualmente, serve de arrecadação.
Quando nos leva no seu mini-roteiro para mostrar como tudo nasce antes de ser um qualquer objeto de vime, os seus olhos reluzem ao passar por essa casa velha. “Era aqui que trabalhava”. Aquela é quase a prova de que a sua decisão de abraçar a profissão do pai após ter passado por outros empregos e até países foi a opção certa.
Ser cesteiro, embora a designação seja parca para definir o trabalho de José Henriques, é duro. Quem quiser abraçar esta profissão “tem mesmo de gostar e ter algum espírito de sacrifício. É um bichinho…”, descreve. Começa o ano nas ribeiras a apanhar vime, depois tem de o carregar às costas e tratá-lo. Algum é cosido, outro descascado, outro tem de estar dez dias mergulhado num tanque com água. Junte a isto a necessidade de arranjar molhinhos de diferentes tamanhos, e finalmente a confecção das peças. Depois José Henriques tem de andar de feira em feira ao longo do país a expor o seu trabalho. “É um trabalho árduo”, classifica, mas “é possível ganhar a vida”, afiança, garantindo que consegue vender todas as suas peças nas diversas feiras. “Se me pagassem era capaz de estar um ano inteiro a fazer diferentes obras. Sem repetir nenhuma”, diz, orgulhoso. Para exemplificar como é possível concretizar esta ideia recorre à comparação com as mulheres que fazem renda. “Contam as malhas e a infinitude de trabalhos que dali podem sair é inacreditável. Com o vime sucede o mesmo”.
As mãos ásperas provam os anos de experiência e os calos já ajudam na rapidez de execução. Não para. Sempre simpático e atencioso, o nervoso miudinho era apenas denunciado no abanar da perna. A feira de Ferreira do Zêzere – criada na festa do imigrante neste mês de agosto – escoou quase todo o seu stock e José Henriques sentia a pressão de daí a três dias ter de estar noutra feira. “Uma cadeira como esta que estou a fazer leva dez horas”, contabiliza, continuando “para rentabilizar o trabalho é preciso além da qualidade ser rápido. Sou rápido mas ainda há quem seja mais do que eu”, diz, acreditando que esta característica é um dos ingredientes de sucesso desta profissão. Dai nunca ter parado nem para dar a entrevista. As palavras saiam ao ritmo com que as suas mãos entrelaçavam os fios de vime, fazendo apenas pequenas paragens para agrafar o trabalho. A seguir voltava o mesmo ritmo apressado, mas certeiro.
As feiras são a sua montra. É assim que consegue vender o seu produto. Faz umas sete por ano e é daí que vem a sua principal fonte de rendimento, por isso necessita de ter objetos para vender. A única pergunta que o fez engolir em seco foi quando o questionámos a quem vai deixar este património de saber acumulado. Quem vai seguir esta arte na família? “Acho que não tenho seguidor”, e lamenta que nas escolas não sejam criadas aulas de ocupação de tempos livres para ensinar aos alunos esta arte milenar.
“Em Portugal devemos ser apenas cerca de 20 pessoas a trabalhar o vime e somos todos da mesma geração”, diz. Inclusive havia plantações de vime na zona da Batalha, mas acabaram por falta de quem lá fosse buscar a matéria-prima. “Eu ainda compro, mas nem sempre é fácil arranjar o que necessitamos para produzir com qualidade”. Esta arte já sobreviveu à era do plástico. Nos finais da década de 50 do século passado com o aparecimento do combustível barato e de produtos sintéticos à base de petróleo, o vime foi substituído. “O meu pai passou por esta crise. Foi necessário ter imaginação e inovar. Conseguimos resistir”, recorda.
José Henriques garante que nada sentiu com a invasão das lojas chinesas. “As pessoas não são burras. Conseguem ver a diferença da qualidade do trabalho. Nunca perdi clientes”, conta. Contudo, há cada vez menos pessoas a trabalhar nesta área. Polónia, Hungria, Argentina, Chile e Brasil continuam a produzir. A sua casa onde tem o seu ateliê é já motivo de visita de estudo por parte das escolas. A paixão pela arte levou José Henriques a improvisar um local com plantação de diversos tipos de vime para que os alunos possam ver como é a planta.
Uma matéria-prima chamada vime
O vime é uma espécie vegetal do ramo das salicáceas. Existem no mundo mais de 500 espécies. Gosta de sol, água, nomeadamente terra húmida, cresce muito rápido, e é resistente ao frio e às doenças. “Pega de estaca e vive junto aos ribeiros. Aqui tive de criar um sistema de rega gota a gota, porque não tenho uma ribeira, mas é uma forma de os miúdos verem o diferente tipo de material que utilizo. Tenho aqui três espécies diferentes”, aponta. Depois a visita segue pelos tanques, pelo forno, pela arrecadação com os molhinhos de vime já arranjados por tamanhos e grossura e termina na sua oficina junto das ferramentas e da única máquina que o seu trabalho permite, uma de corte. “Esta é uma das artes que se pode dizer que é 95% manual. Se tivesse de a classificar diria que é artesanato quase puro, uma vez que é a mão humana que faz a totalidade do trabalho”, termina.